Alberto Fernández e Cristina Kirchner tomam posse do governo Argentino na terça-feira

 Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

Estado de Minas - Manhã nublada de 4 de junho de 1946. Em seu discurso de posse, o então presidente da Argentina, Juan Domingo Perón, firmava uma aliança com a sociedade. “O compromisso que acabo de contrair prestando o juramento constitucional se adentra em minha alma no mesmo espírito que minha decisão irrevogável de abraçar a causa do povo”, declarou. Depois de 73 anos e meio, o peronismo reafirma a alternância no poder e retorna à Casa Rosada; a última oportunidade foi com Cristina Fernández de Kirchner (2007-2015). Desta vez, CFK, ou “a Senhora”, como é conhecida, será a vice do presidente Alberto Fernández, que tomará posse nesta terça-feira como o 57º presidente da Argentina.

Além de reunificar o peronismo, Fernández e Kirchner precisarão resgatar a economia do país e olhar com atenção para os menos favorecidos. “Alberto Fernández é presidente graças a Cristina. Nos primeiros dois anos, ela controlará a vice-presidência, o Congresso e a poderosa província de Buenos Aires. CFK também sabe que desestabilizar Fernández produziria um governo frágil e instável. Ambos estão condenados a ser parceiros no poder”, afirmou ao EM Andrés Malamud, pesquisador argentino do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

De acordo com Miguel De Luca, cientista político da Universidade de Buenos Aires, o peronismo nasceu fortemente intervencionista e estatista na década de 1940. Meio século depois, privatizou empresas do Estado, desregulou a economia e introduziu reformas pró-mercado. “Com Néstor e Cristina Kirchner, regressou a uma posição mais intervencionista em matéria econômica. As políticas que Alberto Fernández levará adiante ainda são uma incógnita”, disse De Luca. Ele explicou que o desafio mais relevante para o novo presidente será a tensão entre a demanda ideológica de seus apoiadores e as urgências financeiras de seu governo. “Em outras palavras, Alberto Fernández deverá equilibrar respostas que apelem à identidade ideológica com medidas de pragmatismo. A Argentina carece de reservas em dólares para cumprir com os vencimentos da dívida de 2020, portanto, deve renegociá-la ou não pagá-la”.

LEGITIMIDADE 

Para Fernando Domínguez Sardou, cientista político da Pontifícia Universidade Católica da Argentina, o regresso do peronismo ao poder implica  enfrentamento de um duplo problema: a reconstrução da legitimidade e do apoio popular e a resolução da política interna. “No peronismo, costuma-se dizer que o presidente é o 'chefe natural do partido', mas isso não quer dizer que não tenha de resolver enfrentamentos entre facções”, comentou, ao lembrar que a chapa Frente de Todos foi construída a partir da reunificação de praticamente todas as facções do peronismo. “Alberto Fernández terá de resolver se efetivamente é o líder do partido ou se isso recai sobre Cristina”, disse Sardou. O julgamento por corrupção pode custar à “Senhora” a perda de credibilidade. No último dia 2, CFK transformou em palanque o testemunho no tribunal federal de Buenos Aires.

Segundo Sardou, o peronismo de Juan Domingo Perón e de Evita representa, para o atual, um legado histórico, centrado na resposta a demandas das classes baixa e média em torno do conceito de “justiça social”. “O peronismo soube construir uma capacidade adaptativa que transcende o ideológico. Nesse sentido, é mais um apelo a soluções de problemas conjunturais do que uma doutrina ideológica de fundo”, acrescentou. Nas últimas décadas, abandonou o viés de partido de base sindical tradicional para se tornar uma legenda mais flexível e informal, adaptando-se a diferentes conjunturas econômicas, políticas, sociais e ideológicas.

A guinada da direita à esquerda se deve ao fato de que a população responsabilizou o atual presidente, Maurício Macri, pelo mau desempenho econômico e pelas promessas não cumpridas de campanha, feitas em 2015. Malamud aposta que Fernández deverá enfrentar o mesmo problema: a solução da crise econômica. “Ele precisa reestruturar a dívida externa no primeiro semestre do mandato, enquanto impulsiona a economia estagnada e trava a inflação”, afirmou.

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