DEBATE – Encontro promovido pelas Comissões de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Econômico tratou da situação de pescadores e voluntários que atuam na coleta do material. Foto: Roberta Guimarães |
“Minha família vem de gerações de pescadores. Estamos em nossas canoas tirando óleo do mangue e não vou poder pagar a escola da minha filha no próximo mês.” O pedido de ajuda feito pela pescadora Valéria Maria de Alcântara, moradora de Engenho Tiriri, em Cabo de Santo Agostinho (Região Metropolitana do Recife), deu o tom de audiência pública que discutiu, na Alepe, os impactos do vazamento de óleo que atinge as praias do Nordeste. Entre outros temas, a reunião desta quarta (30), promovida pelas Comissões de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Econômico, tratou da situação de trabalhadores que não conseguem vender o que pescam, além dos riscos à saúde de quem coleta os resíduos que começaram a aparecer em agosto.
Diretor da organização não governamental (ONG) Onda Limpa, Estevão Santos relatou estar sofrendo de insuficiência respiratória após 13 dias de exposição ao material. Henrique Espírito Santo, do Coletivo Monitora Saúde, afirmou que “780 pessoas foram, de alguma forma, intoxicadas” e os equipamentos de proteção individual (EPIs) fornecidos não são os corretos para o trabalho de coleta. Laurineide Santana, do Conselho Pastoral dos Pescadores, cobrou medidas para que a pesca artesanal possa retomar as atividades e gerar renda. “O Estado Brasileiro nunca se preocupou com a economia desse segmento. Queremos a dignidade das famílias, com políticas públicas, para que a fome não aumente”, disse ela.
Durante o encontro, foram apontadas possíveis fontes de recursos para compensar pescadores e marisqueiros pelas perdas que vêm sofrendo, como o ICMS Socioambiental, o Fundo de Compensação Ambiental, e os fundos municipais e Estadual de Assistência Social. Houve reivindicações, ainda, por maior diálogo dos órgãos públicos e do gabinete de crise com esses trabalhadores, por estudos detalhados e informações sobre como a população deve agir, além da demanda de reconhecimento dos territórios tradicionais pesqueiros.
Representando a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco (Semas), Bertrand Alencar informou que 1,5 mil toneladas de borra oleosa foram coletados e encaminhados para o centro de tratamento de resíduos em Igarassu. Entre as medidas adotadas pelo Estado, segundo o diretor de Meio Ambiente, estão a alocação de mais de 400 pessoas, contratação de duas empresas de remoção, ações de monitoramento, solicitação de investigação da Polícia Federal e articulação de força-tarefa com pesquisadores.
Presidente da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), Djalma Paes informou que a análise sobre a possível contaminação dos pescados será feita por um laboratório da Universidade de São Paulo (USP). Ele criticou o Governo Federal por extinguir comitês do Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC) e não dar respostas, ainda, sobre a origem do vazamento. “Nos reunimos com todos os dirigentes de órgãos ambientais do Nordeste e saímos com uma notícia-crime para o Ministério Público Federal, que entrou com uma Ação Civil Pública. A partir da liminar dada pela Justiça [obrigando a União a tomar medidas para conter o vazamento], começamos a ter um apoio maior e mais respostas”, prosseguiu.
De acordo com o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Alepe, deputado Wanderson Florêncio (PSC), que presidiu a audiência pública, um relatório sobre as demandas apresentadas será enviado aos órgãos competentes. Do Governo Estadual, serão cobrados o monitoramento da possibilidade de novas manchas atingirem o litoral e a divulgação, na internet, de praias impróprias para banho. Também se pedirá urgência nos estudos sobre a possível contaminação dos pescados e ações para garantir recursos aos profissionais afetados pelo desastre.
“Como fica a sobrevivência desses pescadores, desses marisqueiros? Como fica a condição de uso dessas praias? Queremos um acompanhamento também no campo da saúde, para os voluntários que tiveram contato com esse material. E esse encaminhamento será feito tanto para o Governo do Estado de Pernambuco quanto para o Governo Federal, para que possa, oficialmente, dar transparência para o cidadão”, observou Florêncio.
A deputada Alessandra Vieira (PSDB), que pediu a realização do debate, manifestou preocupação com medidas anunciadas pelo Governo Federal. “Ouvimos que de 10 mil pescadores afetados no Estado, só 400 receberiam a antecipação do seguro-defeso. Como ficam os outros 9,6 mil?”, questionou. “O mais importante é como vão se sustentar as pessoas que dependem da pesca, da venda de frutos do mar e do turismo”, agregou o presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Delegado Erick Lessa (PP), que defendeu maior articulação entre as esferas.
Para o deputado João Paulo (PCdoB), há “total omissão do Governo Federal”, que age com discriminação contra os nordestinos. Romero Sales Filho (PTB) cobrou a coordenação, pelo Poder Público, dos grupos que estão agindo na coleta do óleo. Integrante do mandato coletivo Juntas (PSOL), Carol Vergolino defendeu a decretação de estado de calamidade pública em Pernambuco, como forma de facilitar o auxílio financeiro aos municípios afetados, abrir créditos extraordinários e acessar o fundo estadual para situações de calamidade pública. O prefeito do Cabo de Santo Agostinho, Lula Cabral, tratou do cadastramento dos pescadores e marisqueiras afetados, para buscar ajuda do Estado e da União.
Também participaram do encontro a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE), Ministério Pùblico do Estado de Pernambuco (MPPE), Defensoria Pública do Estado (DPE-PE), Defesa Civil estadual, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), entre outras instituições.
Tribuna – À tarde, durante a Reunião Plenária, Wanderson Florêncio fez um relato sobre a audiência. Ele sugeriu um programa específico para dar “suporte econômico, social e ambiental” aos pescadores e acompanhamento dos voluntários que tiveram contato com o óleo, para prevenir problemas de saúde. Em apartes, Doriel Barros (PT) cobrou ações efetivas do Governo Federal e Alberto Feitosa (SD) disse que pediria à União a ampliação dos beneficiários pelo seguro-defeso. Tony Gel (PMDB) registrou a desconfiança de que o vazamento tenha ocorrido em uma área de exploração de petróleo. “Se foi isso, é uma coisa terrível”, avaliou.
Na Ordem do Dia, a indicação das Juntas que sugeria a decretação do estado de calamidade pública foi rejeitada. Ao discutir a matéria, Lucas Ramos (PSB) sustentou que a medida aplicável ao caso poderia ser a decretação de estado de emergência.
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