O Brasil de Jair Bolsonaro, um novo vilão ambiental para o planeta

Meio ambiente capitaliza as críticas ao novo Governo pela paralisação das políticas de preservação, em um momento em que o assunto se torna prioritário para a UE

Presidente Jair Bolsonaro. Foto: divulgação

El País - Em agosto do ano passado, quando um veterano deputado brasileiro conhecido por seu discurso incendiário e sua nostalgia pela ditadura disparou nas pesquisa eleitorais, do outro lado do mundo uma adolescente com tranças deixava de ir à escola às sextas-feiras para alertar sobre a crise climática plantando-se em uma praça com um cartaz feito à mão. Era impossível prever que seus caminhos se cruzariam. Mas foi o que ocorreu. Não fisicamente, mas sim em termos políticos. Greta Thunberg, transformada em uma espécie de flautista de Hamelin, conseguiu levar para as ruas milhões de estudantes e colocar o meio ambiente bem acima entre as prioridades dos políticos europeus enquanto Jair Bolsonaro, já como presidente, confirmava com nomeações, decisões e declarações seu desinteresse por proteger a Amazônia, uma floresta tropical essencial para frear o aquecimento global. Bolsonaro se tornou o vilão ambiental do mundo.

Neste sábado, o presidente declarou que na região apenas “veganos, que comem só vegetais”, estão preocupados com a questão ambiental, e tornou a contrapô-la à economia, porque em sua opinião são incompatíveis. “Quando acabarem as commodities [matérias-primas] do Brasil, nós vamos viver do quê?”, afirmou. “Vamos virar veganos? Vamos viver do meio ambiente?”.

Em sete meses de Governo, o mandatário brasileiro deixou claro que o papel do Brasil como potência agrícola exportadora lhe interessa muito mais do que o Brasil como guardião do pulmão do planeta. E, embora no início do mandato tenha desistido de juntar os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, transformou-os em um casal de fato: “[O ministro] Ricardo Salles está no lugar certo. Consegue fazer o casamento do Meio Ambiente com a produção. Eu falei para ele: ‘Mete a foice em todo mundo no Ibama. Não quero xiitas”, declarou em junho.

Bolsonaro colocou a líder da bancada parlamentar ruralista, Tereza Cristina Dias, como ministra da Agricultura, não declarou novas áreas de proteção ambiental nem demarcou novas reservas de terras indígenas (e ameaça desmantelar umas e outras), pretende desvirtuar o Fundo Amazônia (um fundo milionário impulsionado e financiado principalmente pela Noruega para frear o desmatamento), pôs em dúvida os dados oficiais sobre a destruição de florestas tropicais, elaborados por órgãos do próprio Governo por meio do Inpe, e acelerou a aprovação de novos pesticidas, incluindo alguns com substâncias proibidas na União Europeia. Uma série de medidas que fez com que os ex-ministros do Meio Ambiente ainda vivos acusassem em uníssono o Governo de desmontar todos os avanços conquistados nos últimos 25 anos.

Uma zona arborizada e uma área de cultivo de Rondonia, na Amazonia.VÍCTOR MORIYAMA

A questão ambiental percorreu um longo caminho no Brasil. Como explica Mica Minami, diretora de campanhas do Greenpeace, “nos anos setenta, com a ditadura, era considerado um obstáculo para o progresso econômico; em 1992, o Brasil acolheu a primeira conferência sobre meio ambiente da ONU e desde então, com altos e baixos, foi desenvolvendo uma política com um potente pacote legal até se transformar em um país líder, principalmente na política climática, e até o próprio setor produtivo se convenceu de que isso era bom [para os negócios]".

Bolsonaro, ultranacionalista e de extrema direita, detesta as ONGs e os ativistas em geral. Considera que são parte de um suposto marxismo cultural. Tampouco oculta seu desprezo pelo diretor de um dos centros científicos mais prestigiosos do país. “Parece que está a serviço de alguma ONG, o que é muito comum”, disse na semana passada em um café da manhã com jornalistas de veículos de comunicação estrangeiros sobre o diretor do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE), que elabora, graças à vigilância por satélite, a estatística mais precisa sobre desmatamento —que reflete um notável aumento ocorrido nos últimos meses. Graças à lei de transparência, os dados são de domínio público. “Se toda essa devastação que vocês nos acusam que estamos fazendo [tivesse ocorrido], a Amazônia já teria sido extinta, seria um grande deserto”, afirmou Bolsonaro. “Entendo a necessidade de preservar, mas a psicose ambiental deixou de existir comigo.” Aos olhos do mundo, o Brasil é aprovado ou reprovado em função do que desmata.

Os alertas mensais, menos precisos do que o balanço anual de áreas desmatadas, apontam um notável aumento na derrubada da floresta nos últimos meses, que as ONG atribuem ao fato de que o discurso presidencial encorajou madeireiros e produtores agrícolas a conquistar novas terras. Paralelamente, o Governo quer aumentar sua influência e removeu os representantes da sociedade civil do Fundo Amazônia, um sistema para recompensar os esforços de preservação da floresta e da biodiversidade.

Se o desmatamento passar de um certo limite, a contribuição europeia a políticas de preservação é suspensa. Em uma década, a Noruega, a Alemanha e a Petrobras destinaram o equivalente a quase 3 bilhões de reais, administrados e fiscalizados por instituições brasileiras, a cerca de cem projetos ambientais. O Governo Bolsonaro não aprovou nenhum desde janeiro.

O presidente do Brasil se irrita com o empenho de Angela Merkel, Emmanuel Macron e outros líderes europeus em lhe pedir que preste contas sobre a floresta, seus habitantes, rios e plantas. Em junho, na reunião do G20, Bolsonaro convidou os dois líderes a sobrevoar com ele a Amazônia. “Se encontrarem um quilômetro quadrado de desmatamento entre Manaus e Boa Vista, concordaria com eles”, insistiu o presidente em um encontro com a bancada ruralista. É comum o capitão reformado se defender acusando os europeus de ter destruído suas próprias florestas —“sobrevoei a Europa, já por duas vezes, e não encontrei um quilômetro quadrado de floresta”— e criticando que agora venham pedir explicações aos brasileiros.

O Brasil assumiu o lugar da China como vilão ambiental. Mergulhada em um acelerado processo de industrialização, as emissões chinesas de CO2 são de 7,5 toneladas per capita, em comparação com as 6,4 da UE e as 2,6 do Brasil, segundo o Banco Mundial. Mas o gigante asiático conseguiu se livrar da imagem de grande poluidor ao abraçar com entusiasmo o Acordo de Paris.

Em um sinal de que a questão ambiental e climática seduz cada vez mais eleitores europeus —tendo à frente a Alemanha, onde os Verdes têm uma sólida trajetória política—, o recente acordo de livre comércio entre o Mercosul e a UE inclui exigências ecológicas, como a de que os produtos sul-americanos importados pela Europa não sejam originários de áreas desmatadas. No caso da soja da Amazônia brasileira, existe um sistema eficaz, definido em comum acordo pela indústria, pelas autoridades e pela sociedade civil, que garante isso. Mas atualmente é impossível oferecer essa garantia para produtos cultivados em áreas com menos proteção legal e ambiental.

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