Polêmica sobre tirar Lula da prisão revela Judiciário dividido

Em dia de sucessivas manifestações e queda de braço entre desembargadores e com juiz, impasse deixa exposta a insegurança jurídica com a dependência dos magistrados

O presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, pôs fim à "batalha" de decisões com confirmação da prisão do petista (foto: Marcelo Camargo/ABR 15/1/18)

Estado de Minas – A decisão do desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em soltar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou o Judiciário em um dia de “corrida maluca”. A queda de braço que se estendeu ao longo de todo o dia entre a soltura e a manutenção da prisão do petista escancarou uma rachadura na Justiça brasileira e mostrou a insegurança jurídica que a independência dos magistrados gera.

A largada de Favreto na manhã de ontem foi contestada pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba. A contrariedade do magistrado de primeira instância foi respaldada no início da tarde pelo relator do caso no TRF-4, desembargador Gebran Neto, após encaminhamento do presidente do tribunal, Thompson Flores. Às 16h14, Favreto voltou a emitir uma nova sentença, pedindo novamente a liberdade de Lula. À noite, foi a vez de Thompson manter o entendimento pela continuidade da prisão.
Ex-presidente Lula. Foto: Divulgação

O problema é que, na “corrida maluca” do Judiciário, ninguém saiu ganhando. Para o advogado criminalista Celso Vilardi, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), houve erros de todas as partes. Em primeiro lugar, ele avalia como um erro a ordem de habeas corpus de Favreto. “Não é o caso de rever uma decisão que já se encontra sob jurisdição do Supremo Tribunal Federal (STF)”, analisou.

"Só se aceita habeas corpus para soltar uma pessoa se houver abuso de poder ou ilegalidade, o que não é o caso. Já foram exauridos todos os recursos do ponto de vista processual"
Vera Chemin, advogadan criminalista

A decisão de Moro em desrespeitar a ordem de um desembargador e da própria PF em não cumprir com a soltura de Lula após a decisão de Favreto também são considerados erros por Vilardi. Bem como o próprio parecer de Gebran e Thompson. “Quem tem competência é o plantonista. Foi um dia triste para o poder Judiciário brasileiro. Foi tudo errado, um show de horrores. O mais correto na minha posição é que a ministra Carmen Lúcia (presidente do STF) tivesse se manifestado por meio de reclamação”, ponderou.

O STF não se manifestou em meio ao caótico dia na Justiça brasileira. Carmen Lúcia limitou-se a emitir uma nota e não tomou qualquer decisão. Destacou que a “Justiça é impessoal” e que o poder Judiciário tem “ritos e recursos próprios que devem ser respeitados”. Declarou que a “democracia brasileira é segura” e que os órgãos competentes do poder em cada região devem atuar para garantir que a resposta judicial seja oferecida com “rapidez e sem quebra da hierarquia”. “Mas com rigor absoluto no cumprimento das normas vigentes”, disse.

Na falta de parecer do STF, há quem aponte que o maior equívoco foi cometido por Favreto. Para a advogada constitucionalista Vera Chemin, a decisão do desembargador fere a súmula 122 do TRF-4. A norma estabelece que a execução da pena deve ser cumprida após encerrada a jurisdição criminal de segundo grau. Como Lula foi condenado após o esgotamento dos recursos cabíveis pela 8ª turma, ela entende que o desembargador não poderia adotar a sentença monocraticamente.

“Só se aceita habeas corpus para soltar uma pessoa se houver abuso de poder ou ilegalidade, o que não é o caso. Já foram exauridos todos os recursos do ponto de vista processual. Do ponto de vista do mérito, não há nada que possa ser colocado como ilegalidade ou abuso de poder”, sustentou Chemin. O próprio argumento de Favreto, de que seria pré-candidato à Presidência, é considerado frágil por ela. “Isso não tem o menor cabimento no âmbito de uma ação penal por ser uma questão que remete à Justiça eleitoral, e não à penal”, advertiu.

Ex-ministros

Medalhão da defesa de Lula, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e advogado Sepúlveda Pertence disse que nunca presenciou “essa comédia judiciária”, referindo-se à série de decisões contraditórias proferidas pelo juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância, e pelos desembargadores do TRF-4 em relação a soltura do petista. “Estou aterrorizado, vivi 21 anos de ditadura no meio judicial e nunca vi nada parecido”, disse. O ex-presidente do STF Carlos Velloso afirmou que a decisão que mandou soltar o ex-presidente é “teratológica”, ou seja, absurda juridicamente. “A decisão é teratológica, portanto, fez muito bem o juiz Sérgio Moro de fazer as ponderações, não é possível que a cada momento se tomem decisões que contrariem e afrontem a lei”, afirmou.

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