Veja o que muda com a vitória do republicano
Época
Nem parece que são só os americanos que vão às urnas nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Mais do que em qualquer outro país, o mundo inteiro fica de olho em cada detalhe da campanha — e apreensivo em relação ao resultado. Não à toa, houve quem organizasse até mesmo protesto aqui no Brasil por candidatos. Tudo isso porque o ocupante do Salão Oval, na Casa Branca, tem um impacto significativo na política e economia global. A dúvida é: qual (e quão grande) ele será?
Neste ano, dois candidatos completamente diferentes protagonizaram uma disputa agressiva pelo posto. De um lado, o empresário bilionário Donald Trump, no Partido Republicano. De outro, a ex-primeira-dama e ex-secretária de Estado Hillary Clinton, no Partido Democrata. Quebrando todas as espectativas, o republicano conseguiu sair por cima. Época NEGÓCIOS ouviu especialistas para saber o que muda para o Brasil com essa vitória.
Economia
O mercado financeiro brasileiro e o global trabalhava com a hipótese de que Hillary sairia vencedora. Um resultado diferente chega como um choque e vai causar instabilidade pelos próximos meses. “A Hillary está precificada, digamos. Mais um mandato do Partido Democrata significaria poucas mudanças estruturais na condução da economia global”, diz Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec/RJ. Segundo o especialista, um desenrolar com Hillary teria sido melhor para a economia brasileira, uma vez que “evitaria um possível cenário de turbulência global que pudesse afetar nosso caminho de recuperação”. No sentido contrário, a vitória do adversário republicano traz um cenário de completa instabilidade global.
No que se diz respeito ao comércio exterior, o Brasil também terá de se posicionar se quiser ter uma relação relevante com os Estados Unidos. “A mudança na relação se dá mais pela mudança de governo no Brasil do que nos EUA”, avalia Carlos Gustavo. “Eles são um país relativamente aberto e nós, um país relativamente fechado.” Segundo ele, os Estados Unidos investiram em acordos de livre-comércio com diversos países nos últimos anos. “O Brasil, por outro lado, não teve nenhum acordo comercial relevante nos últimos anos. Ficamos um pouco amarrados no Mercosul.”
No entanto, se o Brasil quisesse estabelecer algum tipo de relação mais próxima com os EUA, o especialista diz acreditar que um governo Hillary Clinton teria sido melhor para os brasileiros. “Isso é curioso, porque, normalmente, os candidatos do partido republicano tendem a ser mais favoráveis ao livre-comércio. O que nós temos nessa eleição, que é muito atípica, é Donald Trump se dizendo contrário ao livre-comércio. Ele quer rever inclusive o Nafta, o acordo de livre-comércio com o Canadá e o México. É um discurso protecionista.”
Prejuízos globais
Como membro da comunidade internacional, o Brasil será afetado fortemente pelo resultado. “[A vitória de Trump] é um sinal de que as coisas estão mudando mais rápido do que a gente pensava”, diz Carlos Gustavo. Não ratificar acordos climáticos, proibir a entrada de certos grupos nos EUA e romper acordos de livre-comércio são algumas das ações que teriam impacto no mundo todo. “A possibilidade de um presidente Trump cumprir suas promessas na política externa e mesmo interna tem um potencial de desestabilização da geopolítica mundial, que fatalmente afetaria o Brasil”, afirma Carlos Eduardo Lins da Silva.
Relação bilateral
Para Carlos Eduardo Lins da Silva, livre-docente em comunicação pela USP e especialista em política americana, o resultado pode não fazer muita diferença do ponto de vista de relações bilaterais. Ele atribui três razões a isso. Primeiro, porque as relações os dois países estão muito bem enraizadas. “Sempre foram fortes em razão de valores culturais e políticos. E se cristalizaram com a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial”, afirma. “É uma relação que não tende a se prejudicar por causa de um ocupante da presidência num país ou no outro, por mais disparatados que sejam os valores momentâneos dos dois presidentes entre si”.
O segundo motivo é justamente o fato de que o Brasil nunca esteve entre as prioridades máximas da política externa norte-americana. Curiosamente, isso é algo positivo. “Para eles, as prioridades mais altas sempre são aqueles países que apresentam mais ameaça para a segurança nacional ou estabilidade mundial. E o Brasil é um país tradicionalmente pacífico, que não tem armas nucleares, está em paz com os seus vizinhos e não tem grandes divisões internas.” Há uma terceira razão: os laços que unem Brasil e EUA são muito mais fortes na sociedade civil do que entre governos. Há um contato direto que não depende de ações dos governantes.
“É interessante observar que, nessas eleições, o Brasil sequer foi mencionado”, lembra Carlos Gustavo, professor de relações internacionais da PUC-SP. O especialista aponta que ao comparar o governo Bush e o governo Obama não houve muita mudança na política externa no que se refere ao Brasil, embora sejam dois presidentes muito diferentes entre si. “Alguns até dizem que, durante o governo Bush, a relação era melhor.”
O relacionamento com o Brasil estremeceu mais recentemente em 2013, quando se tornou público o escândalo de espionagem nos Estados Unidos. Na época, foi descoberto que o país tinha como alvo até nações aliadas, como o Brasil. A então presidente Dilma Rousseff chegou a cancelar uma visita que tinha agendada ao país.
“A partir de então, você tem um período entre 2013 e 2014 em que nenhum dos dois lados quer ceder”, diz Geraldo Zahran, professor de relações internacionais da PUC-SP. Do lado dos EUA, porque o Brasil não era prioridade. E, do lado do Brasil, porque Dilma tinha problemas maiores para se preocupar, como sua reeleição em 2014. No primeiro ano do novo mandato, Dilma vai aos EUA, mas “a agenda já é diferente”, diz Zahran. “Por causa da agenda doméstica no Brasil, dos desafios constantes ao governo Dilma que a gente viveu.”
Com a chegada de Michel Temer ao poder, no entanto, pautas que vinham congeladas podem ser retomadas. E é disso que vai depender a relação com os Estados Unidos. Não se trata só de quem está do lado de lá — neste caso, Donald Trump —, mas também da iniciativa e disposição de quem estiver aqui. O país teria de mostrar interesse em se aproximar e adotar uma postura de protagonismo na América Latina.
Imigração
Uma das questões mais relevantes — e que distinguia os candidatos — nesta eleição era a posição deles em relação a imigrantes ilegais. E brasileiros que moram nos EUA em situação irregular serão afetados. No dia 16 de junho de 2015, ao lançar oficialmente sua campanha à presidência, Donald Trump iniciou o que seria uma longa série de declarações polêmicas contra latinos. Naquele dia, o bilionário fez sua mais famosa proposta: construir um muro na fronteira entre EUA e México.
“Quando se falava em América Latina [durante a campanha presidencial], era mais em relação à imigração. Esse é um tema que afeta lateralmente o Brasil. Afeta mais o México e os países da América Central”, destaca Carlos Gustavo.
E a aversão a questões de imigrantes não é só coisa de Trump, mas um posicionamento mais amplo do partido. “[No governo de Barack Obama], houve algumas iniciativas de imigração aprovadas pelo Senado que foram paralisadas na Câmara por ação republicana”, lembra Geraldo Zahran.
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