Cardozo defende Dilma na comissão do impeachment

Advogado-geral da União disse que foi por vingança que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aceitou o pedido de afastamento.

Jornal Nacional


A sessão da comissão de impeachment começou nesta segunda-feira (4) com bate-boca. Deputados da oposição queriam impedir o advogado-geral da União de defender a presidente Dilma no processo.

Deputados de quatro partidos alegaram que a Constituição e a lei orgânica da Advocacia-Geral da União só autorizam a AGU a fazer a defesa da presidente Dilma se a ação for de interesse do governo federal. E sustentaram que o impeachment é de interesse pessoal de Dilma.

“A AGU pode assessorá-la em assunto de natureza jurídica quando do interesse da União e não quando o interesse for pessoal, como é o caso”, afirmou Alex Manente (PPS-SP).

Deputados governistas defenderam a escolha do advogado-geral da União.

“Os atos que estão sendo aqui impugnados são atos praticados no exercício da função pública. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já está assentada aqui. Em casos como esse a defesa é feita pela AGU”, disse Wadih Damous (PT-RJ).

A sessão foi tensa e teve muita discussão, bate-boca. Era difícil ouvir os argumentos de um lado e de outro.

O presidente da comissão, deputado Rogério Rosso, negou o pedido da oposição. Manteve o direito do advogado-geral da União de defender a presidente. Disse que chegou a essa conclusão depois de consultar a própria AGU.

“É de prerrogativa da denunciada indicar a sua representação junto a essa comissão na apresentação de sua manifestação. Não cabe, portanto, a esta presidência impedir que a denunciada se pronuncie através de quem por bem entender que deva fazê-lo”, disse o deputado Rogério Rosso (PSD-DF), presidente da Comissão.

Em seguida, os governistas centraram fogo no relator. Os deputados Orlando Silva e Jandira Feghali, do PC do B, cobraram dele uma prévia dos temas que estarão no relatório. Queriam que Jovair Arantes assumisse o compromisso de só considerar as pedaladas e os decretos editados em 2015 sem autorização do Congresso, deixando de fora as denúncias do Petrolão.

“É o objeto deferido pelo presidente Eduardo Cunha. Qual seja? Os decretos de crédito suplementar do ano de 2015. Essa comissão não está autorizada a examinar nenhuma outra matéria, nenhuma outra matéria, sob pena de realizar um processo de exceção, de fazer um julgamento político fora da lei, e a história está cheia de ilustrações de qual é a resultante desse tipo de atitude”, declarou Orlando Silva (PCdoB-SP).

Jovair Arantes se recusou a antecipar como será o relatório. Disse apenas que pode considerar tudo o que está nas 6 mil páginas da denúncia, como escândalo da Petrobras.

“Não vamos produzir nenhuma prova, tanto é que não fizemos nenhuma diligência. Não vamos produzir nenhuma prova extra às já dentro do processo, então eu tenho quase 6 mil páginas de denúncias feitas pelos denunciantes, Janaína Paschoal, Miguel Reale Jr. e o dr. Hélio Bicudo”, apontou o deputado Jovair Arantes (PTB-GO), relator.

Governistas voltaram a dizer que as pedaladas não configuram crime.

“Atos legais. Decretos assinados pela Presidência da República com amparo do artigo quarto da Lei Orçamentaria anual. Atos que já foram praticados por presidentes anteriores. Inclusive o presidente Fernando Henrique no ano de 2001, também fez decretos dessa natureza”, disse o deputado Pepe Vargas (PT-RS).

A oposição rebateu.

“Eles falam que todos esses recursos foram uma necessidade pra não deixar de atender aos programas sociais. É uma mentira deslavada. Dos R$ 57 bilhões das pedaladas fiscais, R$ 1,5 bilhão foram para o Bolsa Família - R$ 1,5 bilhão dos R$ 57 bilhões. R$ 22 bilhões foram para o BNDES. R$ 10 bilhões para o Fundo de Garantia, FGTS. Mais R$ 12 bilhões foram para o programa da safra agrícola e outros programas que foram custeados, que deveriam ser custeados pelo Tesouro Nacional. Deveria ser custeado com imposto arrecadado”, disse o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT).

Terminou nesta segunda-feira (4) o prazo de dez sessões para que a presidente Dilma apresentasse sua defesa na comissão. O advogado-geral da União levou o documento de quase 200 páginas e fez uma apresentação de mais de duas horas. Desde o início, o presidente da comissão, Rogério Rosso, disse que os deputados não poderiam interferir, nem fazer perguntas, apenas escutar os argumentos da defesa da presidente. Cardozo começou a defesa definindo o que, na avaliação dele, caracteriza um crime de responsabilidade e afirmou que, no presidencialismo, só um atentado de graves proporções à Constituição pode desencadear um processo de impeachment.

“O impeachment, portanto, no presidencialismo é uma situação de absoluta excepcionalidade institucional, justamente por forças das garantias que marcam esse sistema de governo. Portanto, no presidencialismo jamais se poderá falar que qualquer governo possa ser afastado por uma mera decisão política, por uma situação episódica de impopularidade, por algum tipo de situação natural do mundo da política, que não seja absolutamente extraordinária e de gravidade afrontosa aos princípios basilares do sistema. Portanto, um crime de responsabilidade exige que o ato praticado pelo presidente da República seja por ele diretamente praticado. Que seja um ato doloso, que seja um atentado à Constituição, uma violência, excepcional, capaz de abalar os alicerces do estado. Exige a tipificação legal. Portanto, todo um conjunto de ingredientes necessários para configuração de um processo de impeachment. Fora destes pressupostos, qualquer processo de impeachment é inconstitucional, é ilegal”, disse José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União.

José Eduardo Cardozo defendeu a tese de que nenhum dos atos imputados à presidente, e que baseiam a acusação, é crime de responsabilidade. E que, por esse motivo, o processo de impeachment, na visão dele, é um golpe.

“Tem se indagado: impeachment é golpe? Pode ser ou não. É fato que o impeachment está na Constituição Federal e se todos esses pressupostos forem atendidos e a lei for atendida, por bem, o impeachment não será golpe, será uma situação extraordinária e excepcionalíssima. Mas se esses pressupostos não forem atendidos, se não houver um atentado contra a Constituição Federal, se não houver ato imputável ao presidente, se não for uma ação dolosa, se ela não for tipificada, a tentativa de impeachment é golpe de estado sim. O que é um golpe? Muitos não gostam da expressão, porque talvez refulgiria a tecnicalidade jurídica. Mas eu vou capturá-lo na política e vou aplicá-lo direito. Golpe é a ruptura da constitucionalidade. Golpe é o rompimento da Constituição. Golpe é a negação do Estado de Direito. Não importa se ele é feito por armas, não importa se ele é feito com canhões ou com baionetas caladas. Se ele é feito com um simples rasgar de uma constituição, se é feito sem base fática, ele é golpe”, afirmou Cardozo.
O presidente da comissão de impeachment, Rogério Rosso, e o relator, Jovair Arantes, já afirmaram que a comissão de impeachment deve analisar a denúncia completa formulada pelos juristas Miguel Reale Júnior, Janaína Paschoal e Hélio Bicudo, que foi lida no plenário e está acessível no sistema de informática na Câmara. Na denúncia, há referências ao escândalo do Petrolão e a pedaladas de 2014, já condenadas pelo Tribunal de Contas da União. Mas, nesta segunda (4), em defesa da presidente Dilma, José Eduardo Cardozo disse que apenas fatos relativos a 2015 podem ser analisados, sob pena de nulidade de todo o processo.

“Os seis decretos e as chamadas impropriamente pedaladas fiscais, só podem ser consideradas por essa comissão no âmbito de 2015, porque a Constituição não permite, e a Constituição é clara: o presidente da República no âmbito de seu mandato não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. E a decisão do presidente da Câmara fez um claro corte e quaisquer outros fatos que não sejam esses dois não podem ser discutidos nessa comissão especial e nesse processo de impeachment. Podem ser discutidos nas comissões da casa, podem ser chamados ministros para esclarecer, podem ter inquéritos policiais, podem ser debatidos onde quer que vossas excelências queiram, na imprensa, mas no processo de impeachment não. Por que não pode? Porque este é o objeto e não há processo de impeachment que dê respeito devido processo legal. Não há pedido de impeachment que possa ultrapassar os limites da sua denúncia devidamente aceita. Portanto, neste momento, quero deixar claro que a defesa se recusa neste processo a discutir qualquer fato que não tenha a ver com essas duas circunstâncias que ensejaram as denúncias”, disse Cardozo.

O advogado-geral da União afirmou que o processo de impeachment em curso deve ser considerado nulo porque, segundo ele, foi fruto de um ato de vingança do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Que isso caracterizaria um desvio de finalidade, não levando em conta nem a Constituição, nem o interesse público. José Eduardo Cadorzo juntou como provas reportagens da imprensa.

“A decisão do presidente Eduardo Cunha não visou, na abertura desse impeachment, o cumprimento da Constituição. Não era sua intenção, não foi esta objetivamente a sua finalidade. Os fatos ficaram claros, os fatos foram evidenciados. Sua Excelência, o presidente Eduardo Cunha usou da sua competência para fazer uma vingança e uma retaliação a chefe do executivo, porque está se recusara a garantir no Conselho de Ética - ao qual ele estava submetido - os votos que o seu partido poderia lhe dar para que ele não pudesse ser processado naquele momento. Ora, a imprensa documentou fartamente esse movimento pendular. Documentou várias matérias de jornais que são aqui juntadas”, declarou o advogado-geral da União.

O advogado-geral da União disse que mais uma prova do desvio de finalidade de Eduardo Cunha foi ele ter juntado a delação premiada do senador Delcídio do Amaral ao processo de impeachment.

José Eduardo Cardozo disse que a maior parte da delação diz respeito a fatos anteriores a 2015. E que, por isso, Eduardo Cunha teria contrariado a própria decisão, tomada quando aceitou o pedido de impeachment. Para Cardozo, isso provaria a intenção de Cunha de agir segundo interesses dele e não segundo a Constituição.

A delação de Delcídio acabou retirada do processo por decisão do presidente da comissão Rogério Rosso. Mas o advogado-geral da União disse que, ao retirar do processo a delação, Rosso deu uma declaração que provocaria a nulidade do processo.

“Ao decidir essa matéria ‘de qualquer forma gostaria de lembrar as Vossas Excelências que mesmo desconsiderado parte dessa denúncia, o citado documento é de conhecimento público. Dito isso, não há como essa presidência impedir a influência dele sobre a formação de juízo individual de cada parlamentar dessa comissão e dessa casa. E sendo todos nós condicionalmente livres em opiniões, palavras e votos, é da mesma forma impossível pra essa presidência impedir que os fatos neles contidos sejam enunciados’. O simples de fato de os senhores terem feito referência a ele anula o processo. Indiscutivelmente. Por quê? Porque num processo só se examinam os fatos da acusação. Por quê? Por exercício do direito de defesa. Quando alguém se defende tem que saber exatamente do que se defende. Quando alguém se defende tem que saber exatamente do que é imputado. Não existe a roleta giratória de acusações disseminadas e difusas”, apontou Cardozo.

A acusação diz que a presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade ao editar decretos de suplementação orçamentária, sem autorização prévia do Congresso e ferindo a meta fiscal. Na defesa da presidente, o advogado-geral da União repetiu os argumentos já feitos pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, na mesma comissão. Cardozo afirmou que os decretos dizem respeito à gestão financeira e não à lei orçamentária e que não ferem a meta fiscal. Mas deu um novo argumento. Alegou que, como os decretos foram assinados pela presidente depois do respaldo de técnicos de vários órgãos, não houve dolo, nem má-fé, essenciais, segundo ele, para a caracterização de crime de responsabilidade.

“Vai se dizer que a presidente da República, a presidente da República é culpada por isso? Quando um outro poder pede, quando técnicos atestam do outro poder que isso deve ser feito. Quando técnicos do Executivo também atestam que isso é factível. Onde está o dolo? Onde está a má-fé? Portanto, mesmo que, mesmo que houvesse ilegalidade na expedição dos decretos suplementares parece induvidoso que dolo da chefia do Executivo não é. Aliás, a jurisprudência é absolutamente tranquila, tranquilo no Brasil ao dizer que o chefe do Executivo que se baseia em pareceres técnicos dos órgãos competentes não agem com má-fé. Mesmo que por ventura ilegalidade possa ser imputada a seu comportamento. Se crime de responsabilidade como visto pela Constituição e pela lei exige dolo, esse simples fato descaracteriza abertamente a ocorrência desse delito”, disse o advogado-geral da União.

Por fim, o advogado-geral da União novamente repetiu os argumentos já apresentados pelo ministro da Fazenda sobre as chamadas pedaladas fiscais. Disse que não eram empréstimos tomados em bancos públicos, mas uma prestação de serviços. E reafirmou que o que chama de pedaladas foram procedimentos adotados por vários governos, sem má-fé e sem que se constituam em motivo suficiente para impeachment.

“Vamos imaginar que tivesse havido violação à Lei de Responsabilidade Fiscal, ao orçamento. Onde está a má-fé da presidente da República nos dois casos? Não há. Onde está o atentado à Constituição nos dois casos? Não há. Foram procedimentos adotados por vários governos, foram procedimentos adotados por muitos anos, procedimentos acolhidos pelos tribunais de contas do Brasil inteiro. Subitamente muda-se de posição e se quer aplicar uma sanção retroativa, que atentado à Constituição há? Que má-fé há? Que ofensa ao princípio básico que autorize uma medida de violência como o impeachment existe?”, apontou Cardozo.

Ao fim dos argumentos apresentados pelo advogado geral da União, o presidente da Comissão, deputado Rogério Rosso, respondeu - de forma indireta - à acusação de José Eduardo Cardozo. Cardozo disse que ele teria provocado a nulidade do processo ao dizer que não poderia impedir que os deputados levassem em conta, em suas consciências, a delação de Delcídio, mesmo ela tendo sido retirada formalmente do rol de acusações.

“Agradecer a sua presença, a sua disponibilidade, e dizer uma coisa pra Vossa Excelência, primeiro Vossa Excelência foi muito bem recebido por essa comissão. Segundo, um dos primeiros atos que essa Mesa fez, senhor ministro, foi distribuir para cada um dos membros, um exemplar da Constituição. Terceiro, fomos pessoalmente, toda Mesa e o relator ao STF, apenas para dizer uma coisa: o artigo segundo da Constituição, a harmonia e independência entre os poderes, ele é absolutamente fundamental para a democracia. Dizer que esta presidência e falo em nome de toda a comissão, esta presidência tem utilizado como fonte absoluta de todas as decisões a Constituição Federal, e depois, e depois, sempre à luz do Direito, a 1079”, afirmou o deputado Rogério Rosso (PSD-DF), presidente da Comissão.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rebateu as declarações do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, de que teria provocado a nulidade do processo por aceitar o pedido de impeachment por vingança. Mas Cunha disse que não bateria boca com o ministro. 

“Então ele falta com a verdade para dizer que é nulo, que tenho desvio de poder, ele já falta com a verdade porque não considera nem o resultado da decisão do Supremo Tribunal Federal que eles já questionaram. Segundo, que ele usa uma frase dizendo que depois que o PT votou pelo processo de abertura, eu aceitei o processo de impeachment. Eu aceitei no dia 2 de dezembro e a primeira votação que teve foi em 15 de dezembro, então ele falta com a verdade em todos os sentidos. Então eu não vou ficar aqui batendo boca com ele, que ele busca obviamente tentar polarizar comigo para tentar evitar discussão do que ele tem que defender. Ele tem que defender é o processo, o conteúdo que lá está para tentar mostrar se os fatos são ou não são verdadeiros”, afirmou o deputado Eduardo Cunha.

Deputados da oposição reagiram à defesa da presidente Dilma Rousseff apresentada pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo.
“Avalio que o ministro da Advocacia-Geral da União está fazendo aquela conversa pra boi dormir. Sem conteúdo. A questão das fraudes fiscais é tão grave que levou o país a ter déficits astronômicos. Pra esse ano já vai passar de R$ 100 bilhões. Tudo fruto do que vem acontecendo nos últimos anos. Não fala de Pasadena, não fala da presença da presidente Dilma em vários momentos que comandava e também autorizava dentro do seu processo de gestão pública aquilo que era criminoso, que era ilegal”, disse o deputado Rubens Bueno (PPS-PR), líder do partido.
“Tem na verdade caracterização clara de que a presidente cometeu crime de responsabilidade. O ministro sabe disso. Ele não conseguiu trazer nenhuma fundamentação. Uma hora e 40 minutos de blá blá blá. Não tem nada de concreto. Vamos continuar com esse processo com serenidade, respeitando a Constituição e fazer o afastamento da presidente Dilma”, declarou o deputado Antonio Imbassahy (PSDB-BA), líder do partido.

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